sábado, 20 de março de 2010

REPRESENTAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A sociedade civil do Distrito Federal vem, por meio de seus representantes abaixo assinados, requisitar, eminentemente, o cancelamento da Licença de Instalação no. 008/2008 do Empreendimento Imobiliário SHCNW - Setor de Habitações Coletivas Noroeste devido ao não cumprimento de diversas condicionantes da Licença Prévia no. 020/2006. Conforme discriminado no corpo do texto das licenças ambientais citadas, “a validade” destas “fica condicionada ao cumprimento das condicionantes”.
Deste modo, no nosso entendimento, o descumprimento das condicionantes envolve graves riscos ambientais, além de impacto social significativo devendo, portanto, as licenças serem canceladas, as obras respectivas serem paralizadas imediatamente e ser solicitada uma auditoria do projeto.
Solicitamos também a revisão do projeto do Setor Habitacional citado devido ao fato de não terem sido consideradas as peculiaridades ambientais descritas no EIA-Rima quanto à importância da região como de recarga de aqüífero e outras componentes arquitetônicas e urbanísticas.


1. HISTÓRICO

• Em 11 de dezembro de 2006 IBAMA concede a Licença Prévia no 20/2006 da Área de Expansão Urbana do Setor Noroeste à Terracap, após protestos do MPF e do MPDFT, o IBAMA elaborou proposição de alteração da licença e em 22 de março de 2007, o IBAMA altera a Licença Prévia no 20/2006, neste momento com 43 condicionantes, dentre as quais várias são relativas à preservação ambiental e à implementação das áreas protegidas;
• Em 20 de junho de 2008 o IBAMA elabora parecer técnico no 036/2008 NLA/DITEC/IBAMA apontando o não atendimento das condicionantes da Licença Prévia - LP
• Em 01 de agosto de 2008 é assinado o Termo de Ajuste de Conduta no 06/2008 transferindo pendências verificadas para a Licença de Instalação - LI
• O Ibama emite a Licença de Instalação no 08/2008, com 49 condicionantes, autorizando a implantação do empreendimento e suas infraestruturas (água, esgoto, drenagem, rede elétrica, subestações, urbanismo, pavimentação e telefonia);
• Em 30 de abril de 2009 é alterado o Decreto de 10 de janeiro de 2002, transferindo o licenciamento da APA do Planalto Central da esfera federal para a esfera distrital, consequentemente ocorre a transferência do processo de licenciamento do setor noroeste do IBAMA para o Ibram.
• A 6ª câmara do MPF ajuiza ação civil pública n. 2009.34.00.038240-0 condenando o Ibram a caçar a LI e a remodelar o projeto do Setor Noroeste.
• Em 11 de março de 2009 MPF emite Recomendação GAB/LLO n. 04/2009 resolvendo suspender imediatamente os efeitos do LP n.020/2006 e das licenças posteriores.
• Em resposta à ação civil pública n. 2009.34.00.038240-0, o Ibram elabora um relatório quanto ao cumprimento das condicionantes da LI 08/2008 pela Terracap explicitado na Informação Técnica no 729/2009 GELAM/DILAM/SULFI que conclui que diversas condicionantes não foram cumpridas pela TERRACAP.
• Em novembro de 2009 são noticiados os escândalos de corrupção sistêmica do governo do DF identificados pela polícia federal por meio da operação caixa de pandora, pela qual é revelada a ligação do governador e do vice-governador do Distrito Federal com pagamento de propinas. É desvelado que o Plano de Ordenamento Territorial – PDOT – do DF é central nos esquemas de corrupção – o que imputa sérias dúvidas sobre sua validade.
• Em 2010 uma multiplicidade de notícias veiculam o envolvimento sub-reptício de empreiteiras, contratos irregulares com o GDF e o empreendimento do Setor Noroeste .

2. CONDICIONANTES NÃO CUMPRIDAS DAS LICENÇAS AMBIENTAIS

2.1 Não cumprimento das condicionantes da LP 020/2006
Em 20 de junho de 2008 o IBAMA elabora parecer técnico no 036/2008 NLA/DITEC/IBAMA apontando o não atendimento das condicionantes da Licença Prévia n. 020/2008 – LP. O documento qualifica como NÃO ATENDIDA as condicionantes 21 e 35, e como ATENDIDA PARCIALMENTE (a serem atendidas na fase da LI) as condicionantes 12, 13,18,19,20, 27, 28, 29, 30, 31,32 e 37, e ainda, como NÃO ATENDIDA plenamente as de número 8 e 42.
Ademais, o Movimento Brasília Sempre-viva notificou o Ibram e o IBAMA quanto ao descumprimento das seguintes condicionantes da LP 020/2006 e a um só tempo solicitando mais informações por meio dos ofícios 04/2010 e 05/2010 que não foram especificamente respondidos:
• no 13 à respeito do transplantio e recuperação de áreas degradadas do Parque Burle Marx. OBS. São encontrados diversos focos de entulho e lixo pelo parque.

• no 19 à respeito da elaboração do Plano de Manejo do Parque Burle Marx, conforme a lei complementar 265/2000, que define a constituição de um conselho gestor que aprove este plano. OBS. A comunidade da Asa Norte e de Brasília demonstra interesse em participar na gestão do Parque Ecológico Norte/ Parque Burle Marx.

• no 23 à respeito da identificação do empreendimento e dos canteiros de obra das empreiteiras. “Afixar, às expensas do empreendedor, placa em local externo e visível do empreendimento, nos termos da lei distrital, No 2.530/00, conforme modelo padronizado pelo IBAMA”

• no 30 à respeito do monitoramento das águas subterrâneas e do Ribeirão Bananal e qual órgão encarregado. OBS. O Movimento reivindica a publicização desses dados;

• no 33 à respeito da garantia de corredores ecológicos entre as Unidades de Conservação.

• no 35 à respeito do posicionamento definitivo da FUNAI.

• no 37 à respeito da arborização das áreas lindeiras ao Parque reiterando a condicionante no 33.

• no 39 à respeito da indicação de servidores do GDF para operação conjunta de fiscalização no entorno do Parque Nacional.

2.2 Acordo do Termo de Ajuste de Conduta (TAC)

Em 01 de agosto de 2008 é assinado o Termo de Ajuste de Conduta no 06/2008 transferindo pendências verificadas na LP para a Licença de Instalação – LI. É pressuposto de validade do TAC o cumprimento das condicionantes da LI conforme explícito na cláusula 3ª deste TAC: “o 2º compromissário [TERRACAP] cumprirá integralmente, nos prazo fixado, as condicionantes a serem estabelecidas na LI que passarão a fazer parte integrante do presente Termo de Ajuste de Conduta”.
Assim, com o não cumprimento das condicionantes da LI, torna-se, por lógica, sem efeito o TAC e, consequentemente, inválida a LP.
O Ministério Público Federal no DF, na pessoa da procuradora regional Luciana Loureiro, ajuíza ação civil pública no 2009.34.00.038240-0 e condena o Ibram, o órgão ambiental responsável pelo licenciamento do setor noroeste, a “cassar a licença de Instalação n. 08/2008” (p.72) em virtude da impossibilidade de execução da condicionante 2.37 e do não cumprimento da condicionante n. 2.35 da alteração da Licença Prévia: “permanece pendente o cumprimento da condicionante 2.35” (p. 56) devido à supressão “do que dava sustentação à emissão da LI” – o Termo de Ajuste de Conduta – TAC n.06/2008.

2.3 Não cumprimento das condicionantes da LI 08/2008

Em resposta à ação civil pública no 2009.34.00.038240-0, o Ibram elabora um relatório quanto ao cumprimento das condicionantes da LI 08/2008 pela Terracap explicitado na Informação Técnica no 729/2009 GELAM/DILAM/SULFI:

• 2.5 – Disponibilizar área, no prazo de 30 dias, para a criação da ARIE Cruls, a ser efetivada em até 60 dias, localizada entre o projeto do Setor a ser implantado e a Estrada Parque Indústria e Abastecimento – EPIA, excetuando-se as áreas ocupadas pelos lotes do Hospital de Apoio, da Polícia Militar do DF e da Companhia Energética de Brasília – CEB, bem como as áreas destinadas à relocação dos 3 lotes privados que interferem com o citado projeto. Apresentar ao IBAMA, no prazo de 180 dias, o registro em cartório da poligonal da ARIE Cruls e a sua transferência do IBRAM, assim como as publicações do ato normativo de criação da unidade. Disponibilizar recursos para a elaboração do Plano de Manejo, assim como para a recuperação ambiental da área, no prazo de 120 dais, e contratara a sua elaboração, por intermédio do GDF e da SEDUMA, no prazo de 180 dias.
*Status: PARCIALMENTE CUMPRIDA – Não existem informações acerca do registro em cartório da poligonal

• no 2.6 - Criar e regularizar, no prazo de 90 dias, o s lotes para relocação dos terrenos de propriedade da Federação Espírita Brasileira da LK. Engenharia de Construções Ltda e da Sociedade Casas de Repouso de Brasília, na área compreendida entre o projeto do Setor, o Hospital de Apoio e a Estrada Parque Armazenagem e Abastecimento – EPAA, garantindo a reconstrução ou indenização dos benfeitores atualmente existentes nos lotes.
*Status: PARCIALMENTE CUMPRIDA – Falta de regularização

• no 2.7 - Demarcar uma área de 12 há inserida na poligonal ARIE Cruls, aser criada, e relocar a comunidade indígena cuja localização atual interfere com o SHNW, arcando com os custos referentes à implantação da infra-estrutura básica de água, luz, drenagem pluvial e esgoto, bem como construir as residências em acordo com as famílias indígenas que atualmente ocupam a área, ou acordar outra solução com a citada comunidade.
*Status: EM ANDAMENTO

• no 2.8 - Não alienar os lotes localizados na área atualmente ocupada pela comunidade indígena até a sua total remoção.
*Status: NÃO CUMPRIDA

• no 2.10 - Apresentar, no prazo de 90 dias, documento que comprove a recuperação dos terrenos degradados na jazida do Canil.
*Status: NÃO CUMPRIDA

• no 2.12 - Apresentar informações detalhadas, no prazo de 90 dias, acerca das estruturas de dissipação de energia no ponto de lançamento da drenagem pluvial do lago Paranoá.
*Status: NÃO CUMPRIDA

• no 2.14 - Apresentar ao IBAMA, no prazo de 180 dias, o registro em cartório da poligonal do Parque Ecológico Burle Marx e a sua transferência ao IBRAM. Instalar cerca de alambrado em todo o perímetro do parque e guaritas em cada entrada, e construir aceiros para prevenção e combate a incêndios florestais. Disponibilizar recursos para a elaboração do Plano de Manejo, assim como para a recuperação ambiental do parque, no prazo de 120 dias, e contratar a sua elaboração, por intermédio do GDF e da SEDUMA, no prazo de 180 dias. Apresentar, no Plano de Manejo do Parque Burle Marx, todos os dispositivos que compõem as lagoas de amortecimento a serem instaladas no interior da unidade
*Status: NÃO CUMPRIDA

• no 2.15 - Criar a ARIE do Bananal na encosta do ribeirão Bananal no prazo de 60 dias. Apresentar ao IBAMA, no prazo de 180 dias, o registro em cartório da poligonal da ARIE do Bananal e a sua transferência ao IBRAM, assim como as publicações do ato normativo de criação da unidade. Disponibilizar recursos para a elaboração do Plano de Manejo, assim como para a recuperação ambiental da área, no prazo de 120 dias, e controlar a sua elaboração, por intermédio do GDF e da SEDUMA, no prazo de 180 dias.
*Status: NÃO CUMPRIDA – falta aprovação do Ibram em relação à proposta da poligonal da ARIE Bananal.

• no 2.16 - Criar a ARIE do Bananal na encosta do ribeirão Bananal no prazo de 60 dias. Apresentar ao IBAMA, no prazo de 180 dias, o registro em cartório da poligonal da ARIE do Bananal e a sua transferência ao IBRAM, assim como as publicações do ato normativo de criação da unidade. Disponibilizar recursos para a elaboração do Plano de Manejo, assim como para a recuperação ambiental da área, no prazo de 120 dias, e controlar a sua elaboração, por intermédio do GDF e da SEDUMA, no prazo de 180 dias.
*Status: NÃO CUMPRIDA – foram encontrados, por técnicos do Ibram, lixo e entulho no local.

• no 2.17 - Implantar a infra-estrutura urbana, inclusive o sistema de drenagem, antes da construção das projeções residenciais e da ocupação do setor. Implantar as edificações somente após a elaboração de relatórios de laudos de sondagem que diagnostiquem a não existência de riscos à segurança e à saúde humana, relativo à presença de matéria orgânica em decomposição possivelmente existente no subsolo. Nesse caso, deverá ser obedecido o Art. 3º. Inciso II, da Lei No. 6.766, de 19/12/1979.
*Status: EM ANDAMENTO

• no 2.19 ao no 2.40
*Status: A SER EXECUTADO

• no 2.42 - Apresentar relatório semestral de cumprimento das condicionantes.
*Status: PARCIALMENTE CUMPRIDA


3. GRAVES RISCOS AMBIENTAIS DECORRENTES DO NÃO CUMPRIMENTO DAS LICENÇAS AMBIENTAIS

3.1 Da ameaça da conectividade dos remanescentes florestais – Corredores Ecológicos

De acordo com o parecer técnico do Ibama n. 069/2006 – NLA/DITEC/IBAMA-DF, a poligonal do empreendimento consiste numa área de corredor ecológico, que juntamente com a mata ciliar da encosta do córrego Bananal, proporcionam conectividade com o Lago Paranoá e o Parque Olhos d’água. Constatação que originou a condicionante n. 15 da LI, referente à ARIE Bananal ainda não criada.
Defende-se também a revitalização de um corredor verde em direção ao Parque da Cidade por meio do replantio das árvores suprimidas do empreendimento na região do eixo monumental buscando maximizar a conectividade entre as asa sul e norte. Esta manifestação gerou a condicionante n. 37 da LP, igualmente negligenciada.
Ademais, este parecer IBAMA esclarece que o empreendimento “está localizado próximo aos limites do Parque Nacional de Brasília (PNB), unidade de conservação federal de proteção integral, a qual segundo a lei no 9.985 de 2000 (SNUC), artigo 49, é considerada zona rural e não pode ter sua zona de amortecimento transformada em zona urbana”. Entretanto, os próprios parecerista flexibilizam este impedimento, mas reconhecem a função de proteção de corredores que a área representa devido à sua configuração de zona tampão da Reserva da Biosfera do Cerrado, definida como um raio de 3km da zona núcleo – o PNB (Ver Anexo I).

3.2 Movimentação de recursos naturais de forma irregular

Na elaboração das licenças ambientais houve a preocupação que o empreendimento seguisse preceitos de razoável sustentabilidade como expresso na condicionante 24 da LI “Aproveitar, ao máximo, a vegetação remanescente de Cerrado, nas áreas verdes futuras. Promover o projeto paisagístico utilizando-se espécies de porte e arbóreo e arbustivo de essência nativa, mantendo áreas permeáveis dentro das delimitações dos lotes.” Efetuando o replantio conforme o Decreto Distrital no. 14.783/93.
Ademais, o correto manejo do solo é imprescindível para a manutenção da qualidade ambiental da área, pois nele contém além dos nutrientes, germoplasmas da vegetação nativa, sendo instituída, para garantir esse cuidado, a cond. 25 da LI, “Efetuar a remoção ou uso controlado dos restos vegetais da operação de supressão de vegetação e acumular o solo fértil raspado (camada superficial que contém matéria orgânica, nutrientes minerais e microorganismos) em local não sujeito a erosão, reespalhando-o após a desmobilização do canteiro ou dispondo-o para aproveitamento da matéria orgânica.”
O que ocorre, no entanto, é que o solo está sendo retirado da região sem os devidos cuidados como a proteção do conteúdo do caminhão por lona, violando igualmente a legislação de trânsito discriminada na condicionante 36 da LI. Este fato acarreta, além do impacto ambiental local, transtorno para motoristas que trafegam nas vias adjacentes, que ligam a EPIA com a W3, devido à grande quantidade de sedimentos provenientes da obra na pista – o que pode gerar graves acidentes de trânsito.





3.3 Irregularidades na elaboração do Plano de Manejo do Parque Burle Marx e no seu cumprimento


Segundo a condicionante no 19 da LP, é necessário a elaboração do Plano de Manejo do Parque Burle Marx, conforme a lei complementar 265/2000. Nesta lei consta:
“Art. 13. Será constituído um Conselho Gestor para cada Parque, Ecológico e de Uso Múltiplo, composto paritariamente por representantes do Poder Público e da sociedade civil.
(...)
Art. 14. Compete ao Conselho Gestor dos Parques Ecológicos e de Uso Múltiplo:
I – aprovar os projetos de atividades de recreação, lazer, esporte, educação, cultura e arte a serem desenvolvidas nas zonas de atividades múltiplas dos parques;
II – aprovar os planos de manejo;”
Deste modo, compreende-se que o plano de manejo deveria ter sido aprovado por um conselho gestor composto de representantes de conselhos comunitários, pioneiros de Brasília, comunidade acadêmica e outros segmentos relevantes da sociedade, muitos dos quais já demandaram participação em tal instância decisória por meio da representação no XXXXX.
O Plano de Manejo do Parque Burle Marx, elaborado pela empresa Topocart, foi aprovado pelo Ibram sem consulta à comunidade, sugerindo posteriormente que o parque fosse convertido em parque de uso múltiplo, perdendo o status de ecológico, resultando na transferência da gestão do parque para a administração de Brasília por meio do Decreto 30.023 de 2009.
No entanto, considerando a hipótese de validade do plano de manejo deste parque, o Movimento Brasília Sempre- Viva denuncia em 23 de dezembro de 2009 a destruição de pelo menos 4 ha de cerrado nativo, dentro da “Zona Intangível” do Parque Burle Marx (Plano de Manejo do Parque, TOPOCART, nov 2008, p.220). Resultou desta denúncia o embargo da obra (Anexo II) pelo Ibram e penalização da empresa Basevi em 250.000 reais. Em fevereiro de 2010 é concedida pelo Superintendente de Áreas Protegidas do Ibram, Roberto Suarez, uma licença de supressão vegetal retroativa ao desmatamento já realizado. A partir de então as obras seguem sem respeitar as condicionantes das licenças ambientais.






4. BACIA DO PARANOÁ AMEAÇADA

4.1 Impactos sobre a disponibilidade hídrica na Bacia do Paranoá acarretados pelo Setor Noroeste
A vitalidade do Lago Paranoá, potencial fonte de abastecimento de água e propiciador de qualidade ambiental e de vida para a população do DF, está gravemente ameaçado pelo projeto Imobiliário de grande porte em questão. É amplamente conhecida a atual condição de assoreamento do Lago Paranoá, divulgado ostensivamente pela imprensa local .
O prognóstico é deveras pessimista quando observada a capacidade e qualidade de água no Lago Paranoá. Quanto à disponibilidade hídrica para o DF, a projeção do PGIRH era de que “a capacidade de atendimento estará [estivesse] esgotada por volta do ano de 2007.”, quando considerado o crescimento populacional, da ordem de 2,66% ao ano .
Atualmente, com a capacidade de abastecimento público de água esgotada, a alternativa para abastecimento foi a captação do no próprio Lago do Paranoá. A outorga da captação foi concedida pela ANA dia 6 de abril e a expectativa é de que seja implementada ainda este ano.
Para que o Lago Paranoá continue sendo um corpo hídrico de uso múltiplo – que além de receptor de efluentes sanitários das ETE’s (Estação de Tratamento de Esgoto) possa servir-nos com água potável – será necessária uma gestão ambiental responsável no DF, o que inclui a diminuição efetiva de tais efluentes domésticos – ou mesmo a supressão de novas ocupações como veremos mais adiante a recomendação da Caesb.

4.2 Comprometimento das Águas Subterrâneas

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do empreendimento define a área de implantação como de grande importância para o processo de infiltração de água para os lençóis freáticos: “As feições hidrogeológicas gerais associadas aos elevados valores de condutividade hidráulicas da zona não saturada e com as condições geomorfológicas fazem da região do empreendimento e suas vizinhanças uma excelente área de recarga natural dos aquíferos.” Caracterizando ainda a região mais ao sul do empreendimento, do subsistema S/A do Grupo Paranoá, como de elevada importância hidrogeológica local, “compondo o aquífero do Distrito Federal de maior vazão específica” .

“Os resultados dos ensaios de campo mostram que os solos da região estudada apresentam condutividades hidráulicas elevadas a muito elevadas. Na superfície, apenas o latossolo vermelho-amarelo apresentou valor da ordem de 10-5 m/s, os demais têm condutividade da ordem de 10-4 m/s, o que é considerado um valor muito alto para solos da região do cerrado. Para o latossolo vermelho com textura argilosa esperava-se o valor menor, entretanto, a alta densidade de raízes e a alta biopedoturbação por organismos elevam a permeabilidade na superfície do terreno.”

Essas informações sobre os serviços ambientais prestados pelo terreno não são considerados na elaboração o projeto do setor noroeste, bem como, no projeto de Gerenciamento Ambiental de Implantação – PGAI – do empreendimento que assume que “pode-se assegurar com ampla margem de segurança uma diminuição da área de recarga em 40%” (p.154).

4.3 Assoreamento e Capacidade Suporte do Lago Paranoá

Segundo o EIA-RIMA do empreendimento, o PDOT ∕ 97 estabelece que “a implantação de empreendimentos na bacia do lago Paranoá deve estar condicionada a um estudo global que considere a capacidade de suporte do lago Paranoá em receber nutrientes derivados do incremento da carga de drenagem pluvial (descargas difusas) e do incremento de esgotos tratados provenientes das atuais estações de tratamento” .
Entretanto, o estudo elaborado pela Caesb 2003 já calculou a capacidade de suporte do Lago Paranoá quanto à incorporação de efluentes domésticos adicionais emitidos pelas ETE’s decorrente do adensamento urbano na bacia. De acordo com as simulações realizadas neste estudo e com base em dados secundários, aponta-se para “o importante e alarmante fato de que já no período entre 2010 e 2015 a capacidade de suporte do lago será superada como consequência dessas novas ocupações” .
“Diante desse cenário futuro, os autores (dos dados secundários) concluíram pela necessidade urgente de um planejamento adequado e efetivo para a bacia do Lago Paranoá, com a inclusão de restrições e limites para essas ocupações, bem como a ampliação dos prazos para a ocupação dessas áreas ou mesmo a supressão dessas ocupações, de modo a equilibrar as cargas de nutrientes por elas produzidas com a capacidade de suporte do Lago.”
No próprio EIA-RIMA consta significativo incremento de partículas em suspensão e níveis de fósforo aportados no Lago por escoamento superficial decorrente da impermeabilização causada pelo empreendimento

5. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Considerando que:
a) A área de implantação do Setor Noroeste e o “Parque Burle Marx representam amostra significativa de ecossistemas intrinsecamente ligados ao Bioma Cerrado. As manchas de Cerrado ainda existentes podem passar a constituir um dos últimos trechos deste Bioma inserido em estruturas urbanas e, como tal, com todas as possibilidades de, em mantendo as suas características originais e preservando seus corredores com o Parque Nacional, passar a funcionar como receptáculos de flora e fauna para o lazer de seus usuários e como laboratórios para a educação ambiental e estudos de biologia em escolas de 1º, 2º e 3º graus, da vizinhança imediata” (Plano de Manejo do Parque Burle Marx, TOPOCART, 2008);

b) “Em relação aos aspectos do meio físico vale ressaltar que a área do parque Burle Marx apresenta-se com grande potencial hidrogeologico de recarga, atuando como agente regulador dos fatores físicos (relevo, geologia, solos e hidrogeologia) e bióticos (vegetação e fauna). Já do ponto de vista do meio biótico, a vegetação existente possui ainda suficiente diversidade fitofisionômica como para garantir o seu vigor e a importância para a manutenção de uma rica e expressiva fauna associada. Concomitantemente, a grande diversidade de ambientes ainda encontrados oferece uma variedade de recursos alimentares e microhabitats que proporcionam uma biodiversidade bastante significativa. Assim, do ponto de vista biótico a preservação de áreas verdes no Parque é de relevante importância, pois a mesma atua como corredor ecológico entre o Parque e o PNB” (TOPOCART, 2008);

c) o Distrito Federal está inserido na área nuclear do Bioma Cerrado, tendo já desmatado mais de 65% de seu território, os remanescentes, na sua maior parte encontram-se protegidos nas unidades de conservação. Dados divulgados recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA/IBAMA, 2009) informaram que somente 7,92% do Bioma está protegido por unidades de conservação (federal, estadual e distrital) e que 47,84% da área do Bioma no Brasil já foi desmatada;

d) Principalmente em decorrência da especulação imobiliária, leis são promulgadas no interesse e por impulso da corrupção, conforme as recentes denúncias. O Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) encontra-se sob suspeita, conforme as denúncias que deputados receberam propina para votar conforme esses interesses, desta forma, vários empreendimentos aprovados por meio do PDOT são duvidosos, como é o caso do Setor Noroeste;

e) Diversas condicionantes das Licenças Ambientais do Setor Noroeste foram descumpridas acarretando diversos riscos ambientais graves;

f) O Parque Burle Marx vem sendo utilizado nas propagandas para valorização dos imóveis, assim como a imagem do empreendimento vem sendo utilizado equivocadamente como “Bairro Ecológico” e “Ecovila”, a sua forma de implantação não reflete tais conceitos e objetivos;

g) Ao contrário do que preconiza a Lei Complementar no 265/1999, o processo de implantação do Parque Burle Marx não foi participativo. A participação só é eficaz quando inclui a população usuária do espaço como coadjuvante no processo que decide sobre seu uso e ocupação. Acrescenta-se que os órgãos ambientais competentes foram acionados sobre a importância da formação de conselho gestor do parque Burle Marx;
h) A participação popular não deve ser entendida apenas pela divulgação em jornais ou pelas consultas formais sobre projetos e planos acabados mas, sim, como um processo partilhado de decisões progressivas que vão
desde a formulação das questões locais até as propostas de ação e as
posteriores ações de monitoramento.
i) O atual projeto do setor noroeste, o qual conta com dois acessos para as “superquadras” encontra-se em dissonância com a PORTARIA Nº 314, DE 08 DE OUTUBRO DE 1992 – IPHAN que menciona em seu inciso primeiro do art 4. que “Cada Superquadra, nas alas sul e norte, contará com um único acesso para transporte de automóvel”. Ademais, há uma profunda polêmica quanto à questão de o empreendimento ferir o tombamento da cidade, em especial, a escala bucólica que consiste na manutenção de cinturões verdes no entorno das residências na asa sul e norte.


REQUERIMENTO

Diante dos fatos relatados, os requerentes vêm rogar a Vossa Excelência que, no exercício das elevadas atribuições que lhes foram constitucionalmente incumbidas:

1. Que sejam anuladas as Licenças Ambientais do Setor Noroeste, Licença Prévia n. 020/2006 e Licença de Instalação n. 008/2008.
2. Que seja solicitado pelos técnicos competentes a definição da poligonal de maior importância para a recarga de aquífero na área de interferência do Setor Noroeste.
3. Que a implantação do Parque Burle Marx disponha de participação popular institucionalizada por meio de um conselho gestor conforme representação já entregue ao MPDFT n. XXXXXX; e que seja elaborado um Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV – do empreendimento.
4. Que seja solicitada um auditoria dos contratos e licitações envolvidos com o Setor Noroeste.
5. Revisão do EIA-Rima, o qual deverá considerar a componente étnica e impactos decorrentes do empreendimento, até então, não analisados como o novo viaduto. Deverá constar, igualmente, a influência global na bacia de outros empreendimentos, pelo princípio da precaução, faz-se notável a necessidade de determinação de fontes mais seguras de se determinar a capacidade suporte do Lago para recebimento de cargas efluentes. Estas informações devem ser elaboradas e publicizadas, a fim de assegurar a qualidade de vida para esta e para as futuras gerações.
6. Revisão do projeto do empreendimento imobiliário, o qual deverá respeitar a área de recarga de aquífero, as áreas de maior relevância para a biodiversidade e aspecto da equidade sócio-econômicas. Ou seja, um projeto de empreendimento sustentável deve respeitar as singularidades geológicas, biológicas e sociais do território. Uma sugestão é que a primeira etapa de implementação do projeto seja correspondente à área menos frágil ambientalmente, no caso a área já degradada da antiga jazida de cascalho e areia.

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